Museus Testemunham Memória Dolorosa que une Peniche, à “prisão de Mandela” e Chile

22 de outubro
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Notícia da Lusa.

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Lisboa, 19 out 2023 (Lusa) – A investigadora Sofia Lisboa, que estuda a musealização da resistência política, considera que Peniche, Robben Island (a “prisão de Mandela”) e Santiago do Chile estão unidos por uma “memória dolorosa” patrimonializada em museus que testemunham ditaduras e os resistentes.“São os chamados museus de heranças difíceis, não são museus para irmos contemplar obras de arte – que também têm obviamente uma perspetiva crítica -, mas aqui o que estamos a falar é de um desconforto inerente”, disse à agência Lusa.

E acrescentou: “Existe sempre quem resista e, quando pensamos num local destes, pensamos que é útil para pensar o futuro das sociedades. Aqueles que resistiram num momento histórico em que havia opressão, esses têm que ser postos num lugar que seja útil para as gerações presentes e futuras pensarem para que caminho é que vamos e que caminho queremos fazer”.

A musealização da violência política do século XX é precisamente o tema da tese de doutoramento de Sofia Lisboa, que conta com uma bolsa da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), em parceria com a Direção Geral do Património Cultural (DGPC).

No âmbito desta parceria, a investigadora organizou na terça e quarta-feira, um congresso que levou a Peniche representantes dos museus da resistência e liberdade dos dois países objeto da sua investigação, além de Portugal: África do Sul e Chile.

Algumas das reflexões deverão contribuir para o enriquecimento do Museu Nacional Resistência e Liberdade – Fortaleza de Peniche, já que traduzem a resistência às ditaduras nestes três países.

Na África do Sul, por exemplo, Sofia Lisboa destacou o facto do museu Robben Island, conhecido como a prisão onde esteve Nelson Mandela, incidir sobre centenas de anos de luta e resistência e não apenas o período do apartheid.
“Aquele museu fala de várias centenas de anos de história e não é apenas um museu em torno da figura de Mandela”, disse, acrescentando: “Para os próprios sul-africanos e para quem dirige aquele museu é muito importante que se perceba que foi uma luta coletiva. Evidentemente que o Mandela era o número um (…), mas que foi uma luta de opressão de centenas de anos, que começou com as colonizações”.

Em relação ao Museo de la Memoria y los Derechos Humanos, criado em 2010 em Santiago do Chile, a investigadora refere que é “um museu projetado totalmente no futuro”, onde “se percebe que há muitas questões de constrangimentos sobre a forma como a justiça foi feita, ou não foi feita, em relação aos crimes de Pinochet e daquele regime”.

A investigadora destaca a importância da preservação da memória nestes três museus e deixa um aviso: “A memória daquilo que se passou, apesar de ser uma referência cultural e histórica destes três países, não está ali à espera que a vamos buscar, ela pode perder-se”.
“Muitas vezes é desconfortável, é traumático, é incómodo manter esta memória presente. É muito fácil e há quem tenha efetivamente interesse de que estas coisas não sejam faladas para podermos seguir em frente, para haver uma ideia de reconciliação. Mas não pode haver caminho em frente e reconciliação (…) se as pessoas não se lembrarem do que aconteceu”, disse.

Por isso, adverte que, “se não houver um investimento sério em preservar esta memória para as próximas gerações, é muito fácil que se possa perder” e recordou o exemplo do edifício onde funcionou a PIDE até 1974, na Rua António Maria Cardoso, em Lisboa, que se transformou num condomínio de luxo.
Símbolo da resistência e da luta pela liberdade, uma vez que ali estiveram presos opositores do Estado Novo, a Fortaleza de Peniche foi transformada no Museu Nacional Resistência e Liberdade, encontrando-se encerrada temporariamente para obras de requalificação, com abertura prevista para abril de 2024, quando passarem 50 anos do 25 de Abril de 1974.

SMM // ANP
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