«Contabilizando todos os efetivos, conclui-se que para esmagar o movimento grevista na CUF do Barreiro, em julho de 1943 o regime procedeu a uma concentração de meios absolutamente desmedida, envolvendo diretamente nesta operação 51 oficiais e 1605 praças, num total de 1656 homens, 35 viaturas de diversos tipos, entre os quais carros blindados de assalto, além de 90 cavalos provenientes do Regimento de Cavalaria nº3 de Estremoz e do Centro de Reunião de Solípedes de Vendas Novas.
O país não estava em guerra, mas o Barreiro estava sob ocupação militar efetiva.»
Além dos militares envolvidos nas conspirações contra a Ditadura Militar, o Depósito de Presos de Angra, sob o Comando Militar dos Açores, vai servir de cadeia a grande parte dos deportados e presos políticos das tentativas insurrecionais de 18 de janeiro de 1934 e da Revolta dos Marinheiros, em 8 de setembro de 1936. Ali vão cumprir duras penas, pelas condições extremas da própria Fortaleza e pela grande concentração de presos já lá existentes.
Esta informação é muito relevante do ponto de vista histórico para a datação da Cadeia do Forte de Peniche, enquanto lugar de encarceramento de presos políticos antifascistas, pois, demonstra-se assim que a Fortaleza começou a funcionar como cadeia política desde 1931. Esta data antecede em três anos a que era conhecida oficialmente, ou seja, 1934.
A estrutura que constitui actualmente a Fortaleza de Peniche é resultado de várias campanhas de obras decorridas em épocas diferentes. O imponente edificado de planta poligonal, cuja fisionomia acompanha o desenho irregular da costa penichense, foi construído na segunda metade do século XVII, no período conturbado que se seguiu à restauração da independência portuguesa, e durante o qual foi necessário reformar e reforçar o sistema defensivo das fronteiras portuguesas de terra e de mar.
Para compreender a conjuntura temporal em que se situa a progressiva militarização da vida nacional, importa referir que o período que medeia entre os dois conflitos mundiais -1918-1939 – foi de gradual agravamento da crise económica internacional, potenciada pela Grande Depressão de 1929 nos Estados Unidos. O contexto de recessão e pobreza crescente veio favorecer o desenvolvimento das ideologias fascistas na Europa, culminando com a ascensão de Hitler ao poder, em janeiro de 1933.
Ao longo de vários séculos, o trecho marítimo Peniche-Atouguia da Baleia foi considerado uma das mais valiosas extensões costeiras da região oeste portuguesa. As suas características particulares permitiam uma fácil acessibilidade, criando as condições ideais para a construção de um porto marítimo naquele local.
A história da Fortaleza de Peniche como lugar de reclusão, exílio e prisão remonta a tempos muito anteriores a 1934, data em passa a ser utilizada como prisão política sob dependência direta da PVDE e tutelada pelo Ministério do Interior.
19 de Outubro de 1936
A primeira leva de prisioneiros para o Campo de Concentração do Tarrafal
Foi em 19 de Outubro de 1936 – passam hoje 84 anos – sobre a primeira leva de prisioneiros para o Campo de Concentração do Tarrafal, ou Campo da Morte Lenta como ficou conhecido entre os prisioneiros. Ainda hoje não se sabe com exatidão quantos foram os cidadãos portugueses que o regime fascista enviou para o Campo da Morte Lenta.
O Museu Nacional Resistência e Liberdade recorda aqui os nomes daqueles que são conhecidos e a quem presta a mais sentida homenagem.
António Fernandes Baptista | António Guerra| António Carlos Castanheira| António Teodoro| António Marreiros | António Jesus Branco | António Dinis Cabaço| António Nunes| António Gonçalves Saleiro| António Gonçalves Coimbra| António Fernandes Almeida Jor.| António Franco da Trindade| António Gato Pinto | António Jorge Marques| António Vicente Carvalho| António Enes Faro| António S. Marcelino Mesquita |Augusto Costa | Arnaldo Simões Januário| Alfredo Caldeira | Armindo Amaral Guimarães| Armindo Fausto Figueiredo| Acácio José da Costa | Acácio Tomás Aquino |Américo Fernandes | Américo Gonçalves de Sousa | Ariosto Mesquita | Afonso Pereira | Artur Esteves | Álvaro Duque da Fonseca | Álvaro Gonçalves | Álvaro Ferreira |Aníbal dos Santos Barata | Adolfo Teixeira Pais| Abatino da Luz Rocha | Armando dos Santos Callet | Abílio Gonçalves| Abílio Gonçalves Garradas | Adelino Alves | Bento António Gonçalves | Bernardino Augusto Xavier |Bernardo Casaleiro Pratas| Boaventura Gonçalves | Cândido Alves Barja | Casimiro Ferreira| Carlos Martins Sevela | Carlos Ferreira |Custódio Rodrigues Ferreira | Custódio da Costa| Domingos Rodrigues Quintas| Ernesto José Ribeiro | Eduardo Valente Neto| Edmundo Pedro | Francisco Domingues Quintas | Francisco Augusto Belchior| Francisco Silvério Mateus | Francisco José Pereira | Fernando Alcobia | Fernando Quirino | Fernando Vicente | Fernando Cruz | Franklin Ferreira de Azevedo | Felicíssimo Ferreira | Filipe José da Costa | Gabriel Pedro| Gavino Rodrigues| Henrique Val Dom. Fernandes| Henrique Ochsenberg | Hermínio Martins | Isidoro Felisberto Canelas | João Lopes Dinis| João Faria Borda | João da Silva Campelo | João Maria | João Galo Gomes | João Garrido| João Machado| João Martins Leitão | João Gomes Jacinto| João Rodrigues | Joaquim Gomes Casquinha | Joaquim Marreiros | Joaquim dos Santos | Joaquim de Sousa Teixeira | Joaquim Ribeiro | Joaquim da Cruz Dias | Joaquim Jacinto | Joaquim Pais | Joaquim Luís Machado | Joaquim Faustino de Campos | Joaquim Pedro| Joaquim Duarte Ferreira | Joaquim Montes | José Neves Amado| José Barata Júnior | José António Filipe | José Bernardo| José Soares | José Maria Videira | José Luís Marques Lebroto | José Maria de Almeida Jor. | José Tavares Almeida| José de Sousa Coelho| José Gilberto F. Oliveira| José de Almeida| José Severino Melo Bandeira | José Ramos Vargas| José Borges Celeiro | José Ramos dos Santos| José Ferreira Galinha| José dos Santos Viegas | José Alexandre| José Ventura Paixão | José Jacinto de Almeida | Jaime de Sousa | Jaime Tiago | Jaime Francisco Rosa| Júlio Ferreira | Júlio Marques | Júlio de Melo Fogaça| Josué Martins Romão| Jacinto de Melo F. Vilaça | Luís Marques Figueiredo| Luís Pires| Luís Martins Leitão |Luís da Cunha Taborda | Leonildo Anunc. Felizardo | Mário Santos Castelhano | Manuel Amado dos Santos| Manuel Rodrigues| Manuel da Graça| Manuel Henriques Rijo | Manuel Rodrigues da Silva| Manuel Rosa Alpedrinha| Manuel Pessanha | Manuel Augusto da Costa| Militão Bessa Ribeiro| Oliver Branco Bártolo| Pedro de Matos Filipe |Pedro dos Santos Soares | Patrício Domingues Quintas| Rafael Tobias Pinto Silva |Raul Vieira Marques | Rodrigo Ramalho |Silvino Leitão Fern. Costa| Sérgio de Matos Vilarigues| Tomás Baptista Marreiros | Tomás Ferreira Rato| Virgílio Martins | ? Miranda | ? Rebelo.
Lista publicada na obra TARRAFAL Testemunhos, ed. Caminho, 1978, pgs 281-285, 1a edição. Nesta obra consta ainda o nome de Manuel Pereira dos Santos, no entanto com uma interrogação quanto ao ano em que terá chegado, se em 1936 ou já em 1937. Além desta lista surge ainda um outro nome, Armando Martins de Carvalho, mas em: casacomum.org/cc/visualizador (ver aqui). No entanto, o nome de Armando Martins de Carvalho, surge num documento do Arquivo Nacional Torre do Tombo, mas referindo que chegou ao Tarrafal em 1939.
Sobre Bento Gonçalves
Por José Dias Coelho
«Depois de 6 anos de trabalhos forçados no clima terrível do Tarrafal, com o organismo desgastado pelas febre, pelo paludismo, pela alimentação imprópria, Bento Gonçalves que já estava tuberculoso não resistiu.
Sem tratamentos e sem remédios, entregues à assistência de um médico que se regozijava abertamente a cada nova certidão de óbito e que a isso limitava as suas funções, cada morte no Tarrafal foi um crime premeditado.
O secretário-geral do Partido Comunista Português não podia sair com vida do «campo da morte lenta», porque o seu valor e o seu prestígio faziam sombra ao regime.
Bento Gonçalves nascera a 2 de Março de 1902, na província de Trás-os-Montes. Aos 13 anos iniciou a sua aprendizagem como operário torneiro de madeiras numa oficina do bairro da Sé em Lisboa. Durante os anos de aprendizagem frequentou o curso nocturno da Escola Industrial Afonso Domingues, onde se destacou pela sua inteligência e amor ao estudo. Em 1919 entrou como aprendiz de torneiro mecânico no Arsenal da Marinha, de Lisboa. Ainda na fase de aprendizagem, Bento Gonçalves introduziu no torno em que trabalhava no Arsenal, modificações de tal natureza que facilitaram extraordinariamente o trabalho de abertura de engrenagens, a que esse torno se destinava. Aproveitando a biblioteca do seu sindicato, lançou-se entusiasticamente no estudo da técnica e dos problemas respeitantes à sua classe, destacando-se entre centenas de outros operários, seus companheiros de trabalho, pela sua competência técnica e pelo seu aprumo moral. Recusou a promoção a operário-chefe com que a direcção do Arsenal da Marinha pretendeu galardoá-lo, mantendo-se modestamente na categoria de simples operário. Entretanto frequentou o curso de pilotagem da Escola Náutica. Foi destacado para Luanda como soldado, e ali permaneceu algum tempo que aproveitou para organizar o Sindicato dos Operários de Luanda.
Lançado na luta sindical, Bento fez do Sindicato do Pessoal do Arsenal da Marinha modelo dos sindicatos portugueses, quer pela orientação firma da suas lutas quer na organização da sua biblioteca e cursos infantis para os filhos dos operários sindicalizados.
Ainda na qualidade de militante sindicalista, Bento visitou com uma delegação de amigos da U.R.S.S., a grande nação proletária por ocasião do décimo aniversário da Revolução Socialista. Na sua qualidade de operário metalúrgico visitou várias fábricas soviéticas e falou com os seus camaradas soviéticos. Esta viagem teve grande influência no seu futuro. De volta a Portugal, lançou-se resolutamente na luta política e sindical.
Ingressou na célula do Arsenal em 1928 e rapidamente foi eleito seu secretário, ocupando também o cargo de secretário-geral do sindicato. Reagindo contra o oportunismo que reinava nas fileiras do Partido Comunista, Bento promoveu a reorganização partidária de 1929 e imprimiu nova vida de lutas ao Partido do operariado português. A sua actividade política chamou a atenção da polícia que o procurou no Arsenal para o prender em fins de Setembro de 1930. Os operários da sua secção de mecânicos, ao saberem das intenções da polícia sublevaram-se, a sua revolta estendeu-se a outras secções do Arsenal de tal modo que Bento poderia ter fugido se quisesse. Mas nesse tempo ainda estava desenvolvendo um trabalho político dentro da legalidade e não podia supor que dessa prisão resultasse a sua deportação. Foi deportado para Lagens do Pico, nos Açores.
Quando depois da revolta dos Açores, o governo mandou todos os deportados que aí se encontravam para o arquipélago de Cabo Verde, os naturais da vila das Lagens foram em massa junto do administrador do concelho pedir para Bento Gonçalves ficar na ilha. Todos o adoravam porque Bento Gonçalves, com a sua habitual iniciativa, montara uma escola de instrução primária em que dava aulas nocturnas a crianças e adultos. Com a sua competência profissional consertou os motores de vários gasolinas que estavam desmantelados e impossibilitados de se fazerem ao mar. Pô-los aptos a voltarem à pesca das baleias, em que se ocupam os naturais das ilhas dos Açores.
Em Agosto de 1932 regressou ao continente voltando a ocupar o seu lugar de operário no Arsenal da Marinha, onde pouco tempo permaneceu, devido às perseguições policiais que o forçaram a mergulhar na clandestinidade. Na véspera da sua saída do Arsenal a ordem do Dia nº 88 de 5/8/1933, fazia constar que Bento Gonçalves «era promovido por distinção à classe imediata, porque o merece pelas suas qualidades de trabalho, pela sua competência profissional, pelo seu comportamento oficial» (…). Considerado «nobre exemplo arsenalista», fora promovido a operário de 1ª classe.
Inteiramente consagrado à sua tarefa de dirigente do seu partido de classe, Bento desenvolvia intensa actividade teórica e prática, destacando-se a sua luta firme contra os desvios sectários alimentados por José de Sousa e os desvios oportunistas enraizados em certos sectores da classe operária, pelo grupo direitista de Augusto Machado.
Como Secretário-Geral do Partido, Bento foi a Moscovo em 1935 assistir ao sétimo Congresso da Internacional Comunista, onde levou a experiência adquirida pelos comunistas portugueses na sua luta contra a dominação fascista. De volta da U.R.S.S. foi preso no dia 2 de Novembro de 1935, e, depois de uma longa incomunicabilidade, enviado primeiro para a fortaleza de Angra do Heroísmo onde foi julgado por um «Tribunal Militar Especial» que ali se deslocou propositadamente. Em Outubro de 1936 Bento fazia parte da primeira leva de presos que inauguraram o campo do Tarrafal, de sinistra memória.
A sua contestação ao Tribunal Militar Especial (1936) ensina cada comunista português a defender-se, defendendo o Partido, a transformar-se de acusado em acusador, desmascarando toda a política de traição nacional da ditadura fascista, afirmando bem alto os objectivos do seu Partido, e o seu profundo amor à classe operária e ao Povo Português. Bento Gonçalves, pelo seu exemplo, abriu em Portugal o caminho a futuras defesas políticas dos militantes comunistas nos tribunais fascistas.
Assim como sacrificara a sua vida privada e a sua felicidade pessoal ao Partido, também, Bento consagrou a sua vida de preso aos camaradas e ao Partido. Ensinava Matemática Superior, Inglês, Francês, Espanhol e um pouco de Alemão e era um estudioso de Economia Política e História de Portugal. Da prisão enviava clandestinamente colaboração para a imprensa do Partido e foi na prisão que Bento orientou os camaradas que levaram a cabo a reorganização do Partido em 1942. Foi também no Tarrafal que Bento lutou contra as teorias oportunistas de José de Sousa e promoveu a sua expulsão das fileiras do Partido. Até poucos dias antes da sua morte, consagrava o pouco tempo de que dispunha nos intervalos dos trabalhos forçados para escrever a história do seu Partido.
No princípio de Setembro de 1942 apareceu uma biliosa a Bento Gonçalves, que depois de uma curta agonia veio a falecer no dia 11 de Setembro. Todos os camaradas do P.C., simpatizantes e mais presos desfilaram em volta do cadáver de Bento Gonçalves. Na camioneta que o levou para o cemitério, já tão cheio de patriotas, só permitiram que 12 camaradas o acompanhassem. Todos os seus companheiros, formados em duas filas desde a enfermaria ao portão da entrada, ladearam o caminho prestando-lhe assim uma última homenagem. Durante os anos que passou no Tarrafal, Bento não deixou, nem por um momento, de lutar e velar pelo Partido. Os poucos momentos que os trabalhos forçados lhe deixavam livres aproveitava-os para ajudar os camaradas, para estudar, para escrever sobre os pedaços de papel dos sacos de cimento onde, a lápis, Bento deixou escritas muitas páginas da história gloriosa das lutas da classe operária portuguesa.
Teve sempre um papel preponderante na organização prisional, fazendo parte da comissão de acompanhamento, pelo que muitas vezes tinha que tratar junto dos carcereiros de problemas e reivindicações dos presos. Até os guardas e os directores lhe mantinham um certo respeito. A sua atitude digna e firme impunha-se a todos.
A sua morte por absoluta falta de tratamento, foi mais um crime do fascismo, que assim arrebatou à classe operária um dos seus filhos mais queridos e um dos seus mais abnegados e destacados dirigentes. Pela sua dura vida de operário, pela conquista da sua cultura, pelo seu ardor combativo, como militante da classe operária, pelo seu trabalho de direcção do Partido de classe do proletariado português, pelos seus sofrimentos e morte, Bento Gonçalves é um exemplo e um guia para o Povo de Portugal.
José Dias Coelho»
‘Sobre Bento Gonçalves’, Cadernos Populares, ed. Comissão Concelhia de Torres Novas – Partido Comunista Português, s.d.
José Dias Coelho, pintor, desenhador e escultor era funcionário clandestino do PCP. Foi assassinado a tiro pela PIDE em Alcântara, em 19-12-1961.
Museu Nacional Resistência e Liberdade – Fortaleza de Peniche, Col. Postais Adriano Constantino
A luta pela Liberdade e pela Democracia em Peniche
Por João Manuel Neves
Presos Políticos naturais ou residentes em Peniche
Desde sempre se manifestaram em Peniche fortes sentimentos antifascistas. Foi importante a contribuição dos trabalhadores e da população de Peniche para a conquista da Liberdade e da Democracia.
Importantes lutas foram travadas: pelos pescadores, pelas conserveiras, pelos calafates e pela população. As Greves e as concentrações de pescadores frente à Capitania, as comemorações do 1º de Maio, a Revolta Popular de 1935, são alguns exemplos dessas lutas.